terça-feira, 12 de junho de 2012

PELA APROVAÇÃO DA LEI QUE PROÍBE TVs DE VENDEREM HORÁRIOS A IGREJAS



http://www.youtube.com/watch?v=rV9s33sxQZc



A RIDICULARIZAÇÃO DO SAGRADO

Análise da gravidez satânica de uma ex-obreira da igreja Universal que pariu três caveiras de plástico


As duas histórias que mais me chamaram a atenção essa semana são de certa forma parecidas. A primeira aconteceu em Manaus, num templo da Igreja Universal do Reino de Deus, e foi transmitida no programa “Obreiros em Foco”, do bispo Sérgio Corrêa. Uma evangélica chamada Denise, que abandonou a fé por um tempo e, arrependida, voltava agora à igreja pra contar sua triste experiência no período: engravidara do demônio. Uma Maria de Nazaré só que ao contrário e que ao invés do menino Jesus pariu três caveiras de plástico, iguaizinhas a essas que vendem na Uruguaiana.

A outra história é a de Rom Bomjan, um garoto budista de 15 anos que é visto no Nepal como um novo buda. O Discovery Channel fez um documentário sobre ele na época em que o adolescente permaneceu nove meses em meditação profunda, sem se levantar, comer ou beber. O canal filmou Bomjan 24h por dia durante dez dias em busca de alguma fraude e não descobriu nenhuma. Ao invés disso, presenciou alguns fatos estranhos, como gotas de suor escorrendo pelo rosto do garoto, quando a temperatura ambiente era de 3°C e ele permanecia imóvel, apenas com um pano sobre o corpo. Segundo os monges amigos de Bomjan, trata-se de uma técnica avançada de yoga que aumenta a temperatura corporal e permite inclusive que praticantes experientes sequem sobre as costas lençóis encharcados em poucos minutos. O longo período sem alimentação é esclarecido novamente a partir de técnicas de yoga absolutamente incompreensíveis à ciência ocidental.

Nenhuma ciência explica também como Denise pode engravidar do demônio e parir três caveiras de plástico. É uma pena que o Discovery Channel ainda não tenha se interessado em investigar o assunto. Mas acho incrível que um caso tão fantástico quanto esse passe quase que totalmente despercebido, restrito ao espaço silencioso das madrugadas na TV aberta, vendido a essas igrejas. Aliás, parece-me que as emissoras, por serem concessões públicas, deveriam zelar pela qualidade e veracidade do conteúdo transmitido.

Eu não vou aqui fazer julgamentos, até porque não tenho prova alguma de que esses casos sejam verdade ou mentira, posso apenas dizer que um deles me convenceu e o outro não. E partindo do pressuposto de que eu esteja certo – que pelo menos um deles de fato seja uma fraude - o que eu não tinha pensado ainda muito a respeito e que me parece mais grave é a tolerância que nós temos com esse tipo de coisa. Com esse circo de bizarrices em que a fé alheia substitui o palhaço.

O que leva uma mulher a ir ao palco/altar da igreja dizer que pariu caveirinhas de plástico, trigêmeos do demônio, se isso for uma mentira? Talvez doença mental, então ela não seria responsabilizada criminalmente. Em qualquer outro caso deveria ser. Não só ela, como principalmente o pastor que incentiva esse circo e utiliza o exemplo para alertar os demais fiéis dos riscos de abandonar a sua igreja. Depois ameaça com o inferno e cobra dinheiro em troca de proteção, numa atitude que lembra muito o que o código penal atribui ao estelionatário.

Mas parece que o meio dito acadêmico, intelectual ou ao menos um pouco mais esclarecido, se acostumou a olhar pra isso com a confortável distancia da ironia, e se satisfaz em gargalhar pelas costas da doméstica que conta assustada causos como esse da grávida possuída. Afinal, religião não se discute (e parece óbvio que esse pensamento só pode ter sido incentivado pelas próprias igrejas). O problema é que abandoná-la é omitir-se, é também contribuir com o estelionato.

Talvez isso aconteça ainda como um dos efeitos colaterais dos massacres e perseguições em que tantos cristãos, judeus ou índios foram mortos por ter uma fé diferente daqueles que possuíam o maior poder. E então, de modo compensatório, a liberdade religiosa atinge agora esse extremo de tolerância em que qualquer um cria uma igreja pra dizer o que bem entende, não paga imposto e compra espaço na TV pra reproduzir as bizarrices em que não acredita, mas convence gente ainda mais ignorante a acreditar e pagar por isso. Talvez sejamos também muito tolerantes com o passado de algumas dessas igrejas. Com os massacres praticados em nome de mentiras sagradas, que devem superar inclusive os números do nazismo. Mas isso é um outro assunto.

Aqui eu apenas me surpreendo com a mediocridade da religião no ocidente. Não que a oriental seja perfeita, é só que enquanto por lá discutem técnicas avançadas de meditação, a plenitude completa do ser e poderes como os que o Discovery Channel filmou no Nepal, por aqui nós nem nos surpreendemos mais com o demônio engravidando uma pobre coitada. E enquanto isso os crentes se preoocupam com o kit anti-homofobia do MEC. O papa em manter a camisinha proibida. Mais válido me parece discutir se o aborto é permitido no caso de herdeiros satânicos. E então capacitar exorcistas com técnicas de obstetricia.

Mas entendo quem considerar a comparação entre o iogue budista e a evangélica parideira de caveirinhas muito injusta. Tratam-se de casos específicos e provavelmente é possível encontrar histórias bem mais impressionantes ou absurdas em ambos os hemisférios. O que me parece é que por aqui somos mais suscetíveis à picaretagem sobrenatural. Talvez porque praticamente toda a nossa atual civilização foi construída a partir da crença de que uma virgem engravidou de um espírito santo. Como então acusar Denise de ser mentirosa?

Porém quem sabe seja verdade também que ela tenha feito isso na época errada e agora por aqui a religião ande desacreditada demais. Não sei nem se os pré-adolescentes de hoje ainda hesitam em fazer a brincadeira do copo pra chamar espíritos. Eu morria de medo. Agora eu vejo que o que assusta de verdade é o copo jamais ter se mexido. Que desde a invenção da filmadora estamos condenados a nunca mais ouvir falar de milagres. Ou pelo menos desses milagres grandiosos, inquestionáveis: multiplicar peixes, dividir o mar, transformar a água em vinho... Eu já ficaria extremamente satisfeito mesmo com o copo se mexendo. Só que até me provarem o contrário, eu tenho certeza que ele nunca se mexeu e pra sempre permanecerá assim, obediente ao princípio mundano da inércia. Considerar milagre mancha no vidro parecida com a imagem de Nossa Senhora ainda é demais pra mim.

Acredito então que as pessoas foram enganadas muito tempo. E que isso pode estar chegando ao fim. Às vezes me parece que o futuro sombrio das igrejas no ocidente será controlar apenas uma massa de semianalfabetos ou marginais. Pois, de fato, aceitamos hipocritamente aliviados quando o jornal mostra que presidiários e dependentes químicos tem se convertido às igrejas evangélicas, mesmo que as desprezemos. Para as outras camadas sociais, desenvolve-se filosofia, psicologia, física, arqueologia e tantos outros ramos do conhecimento a tentar suprir a mesma carência universal de certezas, a se esforçar pra responder com mais segurança o que o oriente apenas intui. Também para nos lembrar que o que alguns profetas da fé parecem requerer como invenção/revelação da própria igreja e justificar assim a sua importância, na verdade são patentes que não as pertencem, como no caso do amor ao próximo, tão caro ao cristianismo (talvez mais a Jesus do que a seus seguidores), mas que já era parte fundamental de tradições filosóficas muito anteriores.

Ainda assim quantos ocidentais entendem Platão, Heidegger, Freud ou a mecânica quântica? Não me parece um número suficiente. O que me parece é que sem religião e sem filosofia somos escravos. Condenados a retornar a um estado quase selvagem, à simples satisfação dos instintos e ao vício que de certa forma nos fazem perder a condição humana. Uma boa síntese dessa “condição”, muito especial na natureza, é o conceito heideggeriano de dasein : um ente capaz de se perguntar pelo sentido do ser. E é aí onde eu vejo o perigo maior de casos como o parto das caveiras satânicas, ou milagres fajutos e falcatruas metafísicas de toda espécie. Que se faça com que a partir da ridicularização absoluta do sagrado, tudo já nos pareça falso, inclusive a humanidade. O homem então transforma todo o seu potencial de pensamento, criação de significado e compreensão de si mesmo e do universo em mero instrumento a facilitar os serviços que lhe ordena a vontade, a mesma que controla e aprisiona qualquer animal. A isso chamamos progresso. A salvação ainda assim continuaria possível, porém não mais para nós, abandonada a própria condição de dasein. O que seríamos eu não sei. Talvez algo parecido com uma caveira de plástico.

2 comentários:

Marília Tasso disse...

Nossa! Eu me abstenho das religiões, cada uma faz seu show em prol de si mesmo, seja dinheiro, ou qualquer outra coisa ridícula.
Postagem bem interessante!

http://pitadadecinema.blogspot.com

Preguiça alheia disse...

Parabéns pelo blog.. show de bola!

O meu chama PREGUIÇA ALHEIA e é um blog de HUMOR!

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Abraço,
PREGUIÇA ALHEIA.
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