quarta-feira, 22 de abril de 2009

A sinuca e o nada


E assim foi. O fim, a parte e o todo. Todos os pedaços que formam o nada. Que é exatamente o que isso quer dizer. Uma junção semi-elaborada de palavras que mantém entre si o mínimo necessário de coerência. Com a pontuação adequada e algum tempo de um desperdício necessário pode-se até encontrar alguma idéia oculta e filosófica... que obviamente não existe.

Mas apesar disso não dizer nada, e aparentemente esse fato tenha sido devidamente explicado no parágrafo anterior, ainda assim algo faz com que duvidemos até o último momento de verdades explícitas dessa forma. Principalmente verdades sobre fatos que deveriam ser no mínimo constrangedores. Como o desse texto não dizer nada.

Já se foram dois parágrafos, e para não abusar da boa vontade do leitor, que a essa altura já foi quase convencido, mas olha para baixo, vê o tamanho do texto e ainda duvida que não exista realmente nada nele, a melhor coisa a fazer seria aconselhá-lo a parar de ler e talvez indicar leituras que valham a pena, mas fazer isso seria inserir informações, o que deflagraria com toda a certeza que o que foi dito anteriormente é mentira. Encerrada a dúvida e a curiosidade, os textos, os livros ou os filmes perdem o sentido. O que nesse caso específico cria uma situação peculiar, já que foi afirmado nunca ter havido um sentido aqui, apesar de que a dúvida aparentemente foi mantida. Pelo menos nos que leram até aqui e chegam agora ao quarto parágrafo.

Talvez esse seja o melhor momento para se certificar da verdade. Se tiver paciência e muito tempo livre, reler os três primeiros parágrafos. Desistir nesse ponto também é válido. Apesar de que agora o texto já não pareça tão grande e a proximidade de um (im)possível final revelador torne justamente esses quatro últimos parágrafos muito mais atrativos do que os outros que já foram lidos.

Passado o momento quase reflexivo, aqui voltamos novamente ao nada, com o perdão se isso soou redundante. Não acredito que tenhamos fugido até agora ao que se afirmou, mas o quarto parágrafo foi mesmo um momento delicado. Mais duas ou três palavras poderiam configurar um ensinamento, instrução, humor, compartilhamento de experiência, ou qualquer outra sorte de tema usado para justificar o ato de escrever. Os mais ortodoxos devem parar por aqui e acusar-me de escrever mentiras ao invés de nada. Os que me perdoaram os parênteses em “(im)possível final revelador” e me perdoam agora essas aspas que também poderiam ser consideradas uma manipulação, acredito que não devem mais desistir. Talvez a essa altura já tenham aceitado a idéia de que tudo o que leram até agora não tem mesmo absolutamente nenhuma finalidade, assim como o que ainda está por vir. Continuam a ler simplesmente por compartilhar algo que, é claro, eu não posso explicar aqui o que seja. Não que eu saiba.

Depois de 470 palavras e com prováveis poucos leitores, descontadas as repetidas, artigos, conjunções, devem ter sido lidas pelo menos 300 palavras com sentido. Algumas inclusive com vários, entre elas a própria “sentido”. Não que isso tenha alguma importância ou revele o que quer que seja. As palavras obviamente são dotadas de sentido ou não existiriam, ao contrário desse texto, que apenas existe. Mas “existir” é uma palavra muito perigosa e qualquer descuido pode fazer o texto ser classificado como filosofia. Melhor passarmos para o sétimo parágrafo.

Sete pecados capitais, pintar o sete, sete dias da semana, sete cores do arco-íris, sete maravilhas do mundo, sete notas musicais. Terminar o texto com sete parágrafos poderia provocar especulações místicas ou astrológicas. Passamos ao oitavo e último.

Se esse fosse um texto com algum objetivo, e não apenas uma “junção de palavras que mantém entre si o mínimo necessário de coerência”, como se afirmou logo no início, para que esse objetivo fosse atingido aqui seria necessário uma explicação. É o último parágrafo, e apesar de que com isso a chance de perder os bravos leitores que resistiram até aqui seja bem pequena, não se pretende estendê-lo demais e muito menos explicar o que quer que seja, mas isso já deve ter ficado evidente nesse ponto. Faltam poucas linhas, e agora só uma frase absolutamente genial conseguiria justificar tudo o que foi escrito até aqui, sendo que esse tudo na realidade pretende-se que seja nada. Não resta muita coisa a se fazer. Apesar de os parágrafos não possuírem um tamanho delimitado e seja aceitável continuar indefinidamente nesse mesmo último parágrafo, já foi dito não ser essa a intenção. Quem ainda procura esse sentido inexistente e pensa ser capaz de atingir o extremo de reler esse texto mesmo após chegar ao final sem nenhuma teoria sobre o vazio, o nada, a existência, a verdade ou o que quer que seja, deveria receber aqui um conselho. Como o leitor certamente percebeu, é desnecessário dizer que o conselho não será dado. Já quem procura falhas, e momentos em que alguma forma de ensinamento, teoria, ou qualquer outra coisa que não seja simplesmente nada tenha sido dita, deve encontrar. Afinal, chegamos agora a quase mil palavras e mais de cinco mil caracteres divididos em oito parágrafos. O oito, aliás, é o número da bola, que em uma versão clássica, encerra o jogo de sinuca. Não que isso tenha algo relacionado com tudo ou com nada, mas concordo com os que irão afirmar que isso não deixa de ser um ensinamento para quem nunca jogou sinuca.